Aos dez anos, Júlia Capovilla praticava vorazmente o amor fictício, cultivando um vasto elenco de amantes imaginários. Esperava-os penteada, vestida com toda combinação de peças de que podia dispor entre as próprias e as deixadas pela mãe. Os lábios, lambuzados de cor-de-rosa, cheiravam a framboesa, e no rosto, o incêndio da correria, do susto, da ousadia de sair de casa dizendo que ia ao armazém comprar rapadura, merengue ou figurinha, e tomar o rumo da estação. Depois, perambulava com seus par es invisíveis por ruelas vazias e terrenos baldios, tomando cuidado pra que ninguém os notasse — não achava graça em brincar de amores que não fossem clandestinos. Escritora, jornalista e dramaturga, a gaúcha Manoela Sawitzki conquistou o público e a crítica com o elogiado Nuvens de Magalhães – publicado em 2002, quando ela tinha 24 anos – e a peça Calamidade, que originou uma premiada montagem em Porto Alegre. Em seu segundo romance, SUíTE DAMA DA NOITE, a autora apresenta aos leitores um olhar sobre o amor fadado a uma eterna espera sob a perspectiva feminina.A protagonista é Júlia Capovilla, que conduziu sua vida para o decisivo momento em que reencontraria Leon, por quem se apaixonara ainda menina. Quando o destino finalmente os reúne, ela descobre que ele está prestes a se casar com outra e se dá conta de que a única forma de mantê-lo em sua vida é tornar-se sua amante. A partir de então, os únicos momentos de alegria na existência de Júlia acontecem na cama, a cada crepúsculo, na suíte Dama da Noite. O livro surgiu de uma vontade de entender melhor a espera amorosa, segundo a autora. “Fala-se muito sobre o amor, como começa e acaba, mas aquilo que o precede, a espera, o hiato entre o desejo e a realização pode ser uma coisa brutal.” Inspirada nas heroínas românticas e trágicas, como Madame Bovary, Julieta e Ofélia, Manoela construiu uma personagem movida pela paixão, mas que consegue ao Presa aos laços de uma mãe ausente, um pai doente, uma tia cuidadosa, um amante omn ipresente mas inacessível, Júlia é uma personificação da espera, da sensação de incompletude. Uma história que mistura confissão e vivência, redemoinho e salvação. Nas palavras do escritor angolano Ondjaki, que assina a orelha do livro: “Manoela Sawi tzki inscreve assim, na literatura contemporânea brasileira, um poderoso retrato das querenças, relações e contradições humanas, partindo do olho de um oculto furacão chamado Júlia Capovilla.”