Com engenho e arte, Haroldo Ceravolo solta toda a bicharada em poemas bem sacados. Com dentes, garras e graça, expõe o bestiário hediondo e fascista que teima em afundar o barco de nossa política passada e presente.
Luana Chnaiderman
Os poemas d este livro trazem acidez, sarcasmos, reflexões e crítica pesadíssima a um período que não devemos esquecer jamais. Daí a importância da obra, um registro muito bem elaborado, por meio de uma poesia muito bem escrita e inteligente.
Hélio Neri Tudo começou em 2 de janeiro de 2019, quando publiquei numa rede social o quase haikai que abre este livro: “Uma nuvem de gafanhotos/ assumiu o reino do Egito./ Coaxam os sapos do Nilo”.
Naquele início de ano e de governo ultradireitista, parecia haver sinais evidentes da tentativa de desumanização de qualquer discurso político, num recuo pré-civilizatório que se confirmaria nos anos seguintes.
Neste ambiente, a simbologia animal, tudo sugeria, ganharia força. Acho que foi a partir desta p ercepção que fiz, por alguns meses, regularmente, poemas que me ajudaram a lidar com a insensatez crescente ainda antes da crise da Covid-19. Regressamos, com aquele governo, à gestão de dispositivos de controle político baseados num darwinismo socia l agressivo.
Aos poucos, configurou-se um projeto poético. Quando algum animal surgia no noticiário ou nas leituras que realizava, fazia alguma pesquisa, envolvendo literatura e ciência, o que, creio, é perceptível nos poemas, a quase totalidade e scrita no primeiro semestre de 2019. A partir desta pesquisa, procurava criar os versos que estão aqui.
A junção de literatura e biologia não era exatamente uma novidade para mim, devo dizer. Escrevi pouca poesia na vida, mas aos 18 anos fui final ista do Projeto Nascente, da Universidade de São Paulo, com um original chamado “Zoologia – coletânea de poemas sobre o reino animal”.
Os poemas que produzi agora, recorrendo a figuras da simbologia animal, na maior parte não subverte as simbologi as tradicionais. Isso não me parece exatamente problemático, e, de algum modo, permite explorar ambiguidades: gatos, por exemplo, podem ser tomados positiva ou negativamente, a depender da construção a seu entorno. Alguns animais, por sua vez, são na turalmente ambí- guos: “penélope”, um nome bastante charmoso, também designa, sei lá por que mistérios da história da biologia, “jacu”.
Os animais, assim, podem expressar estupor, ódio, nojo, mas também sentimentos como cooperação, lealdade, esper