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Em A Peste e o país que se perdeu, Volmir Cardoso tenta escavar os escombros da vida contemporânea brasileira. Os poemas deste livro foram escritos entre 2020 e início de 2022, período em que o país e o mundo foram flagelados pela pandemia de Covid-19. Não bastasse a “peste” viral, outras seguiram assolando o presente brasileiro, muitas delas advindas de nosso passado histórico, como fantasmas indissipáveis. O neofascismo militarista, com traços milicianos e religiosos, a violência interm inável contra índios, negros, mulheres, sem-terra e gays, a algoritmização da vida, o desamparo que corrói o verniz da sociedade de consumo, enfim, todos esses temas se desdobram em personas líricas, em poemas sem pontuação, cuja leitura leva inevita velmente à perda do fôlego. Todavia, nessa dificuldade de respirar e con-spirar, o verbo não recusa o desejo revolucionário, vislumbra utopias tecnosselvagens (como se Oswald de Andrade conversasse com Antonio Negri), torce as palavras em arranjos vi suais sobre a página, reescreve a Carta de Caminha, sonha fundar um novo país, ainda que os versos indigestos, forjados sob um luto social mal cumprido, sejam inevitáveis.
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Desde 2016 – quando viu seu voto ser sequestrado pelo Parlame nto na forma de um golpe de Estado – o eleitor brasileiro parece ter resolvido se vingar da classe política, elegendo para o cargo maior da Nação um representante que delas (classe política e Nação) faz gato e sapato. A vingança, porém, teve efeito d e bumerangue, pois se voltou contra o próprio eleitor, com consequências que estão aí para todos verem. Assistimos hoje no país a um interminável rosário de crises econômicas e escândalos envolvendo autoridades do governo, e computamos a morte de mai s de 670 mil brasileiros em menos de dois anos e meio, vítimas da pandemia. É nesse solo movediço e revolto que o livro de estreia de Volmir Cardoso, A peste e o país que se perdeu (com certa remissão ao livro de Camus), assenta suas raízes. Com as a rmas do verso, o autor presta contas às nossas consciências do atual estado de coisas. Dono de um verbo ágil e proporcionado às exigências do tempo, faz pensar que a poesia é, sobretudo, a voz incessante da crise, mas vai além, pois abre espaço em se us poemas para falar de outras mazelas — algumas históricas — que afligem o país que se perde, com foco em temas como a luta pela terra, a exclusão social das minorias, os preconceitos arraigados e, evidentemente, a peste que nos assola a um nível ma