A inesgotavelmente luxuriante opulência do imaginário grego é um prodígio (mais rico só o catolicismo). Não há, nem de longe, paralelo em outras culturas de proliferação tão próspera de lendas, fábulas e mitos, ficcional e poeticamente acabados. Mal conseguimos, nós, descendentes deles, distinguir entre a história real e a mitológica dos helenos. Aquiles, filho de Tétis, é personagem histórico ou figura de fábula? Ulisses, realmente existiu? O Olimpo, morada dos doze deuses, é uma montanha real da Grécia. Talvez só os egípcios tenham produzido e desenvolvido imaginário tão fecundo em módulos poético-narrativos, de tamanha plasticidade. Mas o imaginário egípcio não é parte da nossa civilização. Quem sabe o imaginário hindu seja tão (ou mais) rico. Mas a Índia é invenção de navegadores ingleses dos séculos XVIII e XIX. Que sabemos do imaginário asteca, inca ou babilônio? O que interessa é que o imaginário grego, isso que chamamos, grosseiramente, de “mitologia grega”, é porção integrante, substantiva, da civilização ocidental, dos romanos até hoje. Literariamente, essa imensa máquina imaginária atravessou viva a Idade Média, reacendeu no Renascimento italiano e sobreviveu impávida, até o romantismo europeu do século XIX, quando começa seu processo de esquecimento. De Homero a Goethe, passando por Dante e Shakespeare, numa linha ininterrupta, durante mais de dois mil anos, o imaginário grego foi o primeiro alimento do poeta ocidental culto, seu software d e fantástico, referencial de imagens, delírio compartilhado. A magia desse imaginário não se fez sentir apenas sobre poetas. Seu herói favorito, confessou Marx à sua filha, era o titã Prometeu, criador de homens, ladrão do fogo do céu, gigante que ou sou desafiar a ira do Pai dos Deuses e assumiu o martírio por amor à humanidade (alguma coisa de Jesus em Prometeu, o Titã crucificado no Cáucaso, donde foi resgatado por Hércules, outro amigo da humanidade). A fábula mitológica tem a força de um ide ograma chinês. Concentra em traços a figura de um sentido contra o fundo do sem sentido. Nietzche flagrou na alma grega as duas tendências “apolíneas” e “dionisíacas” que Spengler, na Decadência do Ocidente, multiplicou em três almas, a apolínea (gre co-latina), a mágica (cristã-islâmica) e a fáustica (germânico-europeia)... Quando Freud precisou de um nome para a atração filho-mãe, encontrou o mito de Édipo pronto. Impulso prometeico. Alma apolínea. Complexo de Édipo. Narcisismo. Os gregos