O que é um pensamento “desarrazoado”? No que é ele distinto da loucura dita clínica, ou da sensata racionalidade? Quais experiências, no contexto contemporâneo, atestam a força de uma experiência da desrazão, seja no campo filosófico, poético o u mesmo existencial? Foucault mostrou que enquanto a sociedade enclausurava os ditos “loucos”, paralelamente, segundo um registro e um ritmo próprios, a filosofia excluía de seu domínio uma dimensão desarrazoada com a qual mantivera, outrora, uma eni gmática vizinhança. Peter Pál Pelbart acompanha e aprofunda essa intuição foucaultiana, e a prolonga na direção de nossa atualidade. Percorrendo autores como Kafka, Artaud, Blanchot, Barthes, Serres, Lacan, Derrida, e sobretudo Deleuze, o autor traça uma linha ziguezagueante no pensamento contemporâneo. Não se trata de estetizar a loucura, ignomínia frequente, muito menos de fazer a abominável apologia da irracionalidade. O desafio consiste, ao contrário, em sondar algumas potências do pensament o e da vida, em domínios diversos, que extrapolam a clausura que a racionalidade ocidental, em sintonia com a racionalidade psiquiátrica, reservaram a uma experiência da diferença. De Platão a Hegel, passando por Descartes ou Kant, não faltam desloca mentos na relação que a filosofia entretém com a desrazão. Porém de Nietzsche a Deleuze, e para além dele, um novo diálogo parece possível, com o risco de que o próprio pensamento se ponha em xeque, chegue a seu limite, ou soçobre no silêncio. É a is so que Foucault chamou, inspirado em Blanchot, de “pensamento do fora”. Um dos desafios aqui presentes é explorar as possibilidades incertas de um tal vetor. Num momento em que o capitalismo abraçou a totalidade do planeta, transformando-o numa mesmi ce intolerável, o interesse de um pensamento da exterioridade pode recobrar sua relevância. Assim, as questões que esse livro levanta, a partir de conceitos e noções provenientes do campo da filosofia ou da literatura, ganham uma dimensão política in esperada. Por exemplo: o que resta da exterioridade que antes loucos, poetas e revolucionários encarnavam de modo privilegiado? Para onde foi a potência de desterritorialização de que eram portadores exclusivos? Como se alterou essa singular geografi a do pensamento? A que ponto se redesenhou a fronteira entre loucura e desrazão, entre a vida vivida e o invivível da vida, no domínio individual, coletivo, molecular ou molar, filosófico ou existencial? Nada há neste livro que não esteja à espreita