O psicanalista francês Jacques Lacan, gênio e figura, foi um personagem tanto simbólico quanto imaginário, ainda que bastante real. Este último foi o primeiro a desaparecer, finda uma vida bem vivida. Seu ensino, oral e escrito, consagrou-o c omo sujeito suposto saber, no registro da autoria de conceitos originais derivados de uma leitura minuciosa da obra de Freud. Antes, durante e depois, as imagens da sua personalidade ímpar abasteceram um vasto folclore, rico em anedotas magistrais. C omo fazer para separar seu discurso do semblante, por trás de tantas máscaras com as quais seu rosto se confunde? O espelho, tema lacaniano fundamental, norteia cada interpretação que se queira dar, pois a multiplicidade de perspectivas, nã o raro ambíguas, revela sempre algum ângulo bem mais interessante que qualquer fato que possa ter sido a verdade de sua pessoa. É desse Lacan camaleônico que fala este livro, expondo seu peculiar estilo no caleidoscópio de uma biografia de ideias, acessível a leigos e iniciados. Nos dias de hoje, cresce o interesse das ciências humanas pela sua produção intelectual, capaz de abrir novos horizontes para pensar a cultura atual e seus sintomas, sem nunca perder de vista a experiência clín ica. A psicanálise nunca mais seria a mesma depois dele. Mais uma vez comparece ao cenário editorial o texto fundamental de Márcio Peter de Souza Leite e Oscar Cesarotto. Autores, ambos, de vários livros, recriam ideias longamente elab oradas e amadurecidas nesta segunda edição, revista e ampliada. A história da psicanálise lacaniana em São Paulo tem como uma de suas bases a produção, ora individual, ora comum, destes dois fecundos articuladores do saber do inconsciente, por meio de seus artigos em jornais, revistas e sites, seus escritos, palestras, cursos, grupos de estudo, alimentados pela prática constante da escuta atenta que sedimenta sua formulação teórica. Agora é a vez desta biografia pouco convencional, mas bem informada, que não comete o excesso de ser apologética. Muito pelo contrário, Jacques Lacan emerge das páginas da presente obra em suas múltiplas facetas de psiquiatra, criminalista, surrealista, psicanalista, mártir, filósofo, mestre, e até mesmo super-herói. Através de todos os reflexos em cada um dos diferentes espelhos, vai se impondo aos poucos a forte predominância de um analista que produziu teorias novas, originais e refinadas, sem se enclausurar na ortodoxia nem no dogmat