Tocar minha textura carnal exigirá tua escuta, diz um dos poemas deste livro. Vinda da escritora, que é também psicanalista, a palavra escuta impõe-se, aqui, como um convite raro e precioso: que eu, leitora (como você, que agora me lê), possa acolher a pulsação das palavras que querem ser carne – como a vulva logo após o gozo, como a boca quando se desata o riso, como os olhos diante do espanto. Como as pálpebras quando se cerram, na entrega ao sono e aos sonhos. Assim cada palavra, aqui, quer que isso se receba – na própria carne. Que nos deixemos vibrar, ao toque da linguagem, para escutar alguém: uma mulher. Nos poemas assim como nos fragmentos em prosa que compõem a Breve história da carne, a vida vai cutucando a teoria, c om ousadia e coragem. A teoria se vai lambuzando de fluidos e se agita, feliz e estranhada. A pretensa neutralidade do autor é rigorosamente recusada em prol da particularidade de uma mulher, em chave feminista, pois a filosofia não pode evitar a vid a e a psicanálise não pode conter as convulsões da clínica, e para transmiti-las é necessário “ficcionalizar singularidades”. Não se trata, porém, de circunscrever uma autoficção narcísica. Este livro é apelo à gente, é convite. Ele nos chama a esgarçar conjuntamente o tecido da teoria e a revirar suas bordas. E põe em ato, assim, o que me parece ser nossa tarefa histórica, em um país periférico e tão marcado pela violência de raça e de gênero: esquartejar e deglutir antropofagicam ente as teorias para revelar — e pôr ao avesso — a hierarquia e a submissão que são seus recônditos alicerces. Por isso a arte é aqui invocada, creio, com Rosana Paulino, Ayrson Heráclito e Adriana Varejão, entre outros. Para revirar com força , com a mão, o que parece dado, o que parece pronto. O que parece verdade. Para fazer da carne, desenho. Para meter a mão em imagens e situações que a cultura nos oferece. E para modulá-las em imagens e poemas visuais de autoria própria. O pon to de mira deste livro entreabre-se de repente, aqui e ali: a boceta. A boceta capaz de estraçalhar a narrativa dos dominadores. Imagem-furo que navalha a imagem-muro, eu diria, mas abre para outra coisa que não a suposta encarnação da castração no c orpo feminizado. O que ela afirma e desvela, barroca e insistentemente, é outra coisa: a presença encarnada, a presença pulsátil e bordejante da vulva.Tania Rivera SOBRE A AUTORA Alessandra Affortunati Martins é psicanalista, filósofa e escritora. Gr
Código: |
9786555191974 |
EAN: |
9786555191974 |
Peso (kg): |
0,000 |
Altura (cm): |
22,50 |
Largura (cm): |
15,50 |
Espessura (cm): |
0,90 |
Especificação |
Autor |
Affortunati Martins, Alessandra |
Editora |
ILUMINURAS |
Ano Edição |
2023 |
Número Edição |
1 |