Saberes ancestrais dos confins da floresta, suas seivas & cipós entrelaçam arames & sinapses, mirações & devires, gozos gasosos, lama, limo & lamê. Late & palpita o coração da mata na mente coletiva dos abençoados com a visão do i nfinito, amazónico & oceânico, tudo junto numa gota de orvalho estática em combustão. Jorrando iluminações bem olhadas, o oleado vaporoso das águas aéreas desbordava caudaloso o céu de Amapá. Foi assim q ue Néstor Perlongher, antropólogo, porém, poeta & vice-versa, encarou a selva mágica no intuito de conhecer pela própria experiência como, para além da mudez das palavras, o mundo se desfaz em cores, luzes, sensações, estupores... 60 Antes & depois, sua obra poética, barrosa por natureza, barroca por premeditação, provocando aludes & alaúdes de plebeias epifanias, úmidas cachoeiras de desejos solapados, furtivas cataratas de laquê por baixo dos pano s, fluxos pluviais de peregrinações pagãs. Desbordes, invocações, panegíricos, epitálamos & plenilúnios plissados na sustentável leveza do ser, Juramidam. O Daime, santo enteógeno, revela em cada um o segredo mais íntimo de si, indizível. A poesia, entretanto, alardeia, apostando um universo em cada verso, perdulariamente. Sim, mas só quem sabe o que faz com os dizeres consegue construir catedrais no ar, domesticar rios de ventos, organizar jardins da inf ância perenes, apontar ao norte, exaltar a sorte, conjurar a morte. Oscar Cesarotto *** Sarcástico, mordaz, ferino, instigante... Os adjetivos não dão conta do argentino Néstor Perlongher, que nunca imaginou passar à posteridade como um dos maiores p oetas em língua espanhola da segunda metade do XX. Sua poesia neobarroca é estudada em todo o continente hispano-americano. Conheci-o em 1980, num pequeno apartamento de Palermo, quando militava na Frente Homossexual Argentina, ainda em plena ditadur a militar. Tinha o maior orgulho em afirmar que nascera no bairro proletário de Avellaneda, subúrbio de Buenos Aires. Chegou ao Brasil em 1980, fugindo da asfixia do final da ditadura argentina e vislumbrando a possibilidade de trilhar novos caminhos , tanto literários como políticos. Ele não foi um imigrante, mas um estrangeiro nos Trópicos. Foi assim que, logo ingressou na pós-graduação em Antropologia da Unicamp, onde fez o mestrado e se tornou professor. Seu pensamento, inspirado em Foucault,