"A ZUM, revista de fotografia do Instituto Moreira Salles, chega à sua 17ª edição.
No texto publicado nesta edição a pesquisadora Ariella Azoulay questiona as origens da fotografia, associando-as aos projetos imperialistas. Segundo a autora, a construção da fotografia “foi beneficiada pela pilhagem, pelas divisões e pelos direitos imperiais que estavam operando na colonização do mundo”. A autora também pontua a “herança de privilégios” que tornou a profissão do fotógrafo possível. “O direito de tirar fotografias foi imposto desde o início como estabelecido, ilimitado e inalienável, frequentemente contra a vontade dos outros”, afirma a pesquisadora.
Em diálogo com a análise de Azoulay, esta edição traz um ensaio do antropólogo Hélio Menezes sobre os registros da escravidão na obra de Marc Ferrez. Menezes explicita como o principal fotógrafo brasileiro do século 19 escamoteou as contradições do país. “As descrições nos anúncios de fuga, relatos de viajantes e documentos de época estão repletas de marcas de violência e abuso sobre o corpo dos escravizados, mas a fotografia de Ferrez é sintomaticamente plácida. Seria bela, se não carregasse implicitamente tamanha violência”, escreve o autor.
A ZUM #17 publica ainda a série Noite branca, do chinês Feng Li. Originário de Chengdu, província de Sichuan, Li trabalha como fotógrafo oficial da região, mas também possui uma produção autônoma. Feitas de forma independente, as fotografias publicadas na revista retratam o cotidiano, as ruas e os habitantes da China moderna, compondo um panorama distante da imagem oficial.
Outro destaque é o ensaio do fotógrafo francês Vincent Catala, autor da imagem da capa desta edição. Catala, que viveu no Rio de Janeiro por mais de cinco anos, registra as paisagens e os personagens da capital carioca, numa realidade crua que se distancia do ideal da Cidade Maravilhosa. Acompanha as fotos um ensaio do escritor J.P. Cuenca.
A revista também traz a série Alimentos, último grande trabalho do fotógrafo alemão Michael Schmidt, falecido em 2014. Composto por 177 imagens, produzidas entre 2006 e 2010 em vários países, o ensaio mostra a rotina da indústria alimentícia, do campo às prateleiras, compondo um retrato amargo do capitalismo.
Grande nome da fotografia de guerra, o inglês Don McCullin é o entrevistado desta edição. Em conversa com o jornalista Leão Serva, McCullin fala sobre os fantasmas que rondam os correspondentes, em um balanço sobre as suas coberturas e o próprio papel da fotografia. “Eu não estava salvando as pessoas ao fotografá-las, o que me fazia carregar uma grande culpa. Não sinto muito prazer por meu trabalho, porque ele é envenenado pela culpa”, afirma McCulin.
Celebrada em exposições recentes, a obra da fotógrafa francesa Dora Maar é tema de artigo da curadora Amanda Maddox. Integrante do movimento surrealista, destacando-se por suas fotomontagens, a artista teve sua carreira eclipsada por uma série de fatores, incluindo seu envolvimento com Pablo Picasso. A autora reconstitui a trajetória e o pioneirismo da obra de Maar.
Outra precursora da fotografia, a botânica inglesa Anna Atkins produziu o primeiro livro fotográfico. Publicado em 1843, Fotografias de algas britânicas reúne em fascículos cianótipos feitos há quase dois séculos. O curador Joshua Chuang conta a história dessa obra.
No artigo “Orgulho da tortura”, Mauricio Lissovsky e Ana Maria Mauad tratam de um capítulo sombrio da história do Brasil. Os dois analisam imagens, do fim da década de 1960, que mostram um treinamento do exército brasileiro voltado para a prática da tortura. Sem autoria identificada, foram encontradas nos arquivos de um jornal britânico. Perturbadoras, as imagens revelam a prática de violência exercida pelo regime militar. “Torturar sem culpa e ser apreciado por isso: eis a estranha lição que essas fotografias nos ensinam”, pontuam os autores.
Os anos de chumbo também são o cenário da obra Para um jovem de brilhante futuro (1973-197 4), do artista carioca Carlos Zílio, analisada em artigo da crítica Paula Braga. Produzido em 1973, o trabalho ironizava a euforia do setor empresarial diante do crescimento do país, durante o chamado “milagre econômico”. Uma crítica à marcha do progresso e ao ideário coorporativo, a obra “é mais atual do que nunca”, como afirma a autora.
Esta edição traz também um ensaio do crítico de cinema Inácio Araujo sobre o acervo do cinéfilo cearense Eduardo Solon. Entre os anos 1930 e 1950, Solon reuniu 30 mil fotogramas de filmes, com ajuda de projecionistas de todo o país. “Seus álbuns apresentam o olimpo pessoal de um espectador obsessivo e revelam momentos importantes da exibição cinematográfica no Brasil”, afirma Araujo.
"