Virginia Woolf passava as férias de verão, até os treze anos, na casa de praia da família em St Ives, na Cornualha, numa baía de onde se avistava o farol da ilha de Godrevy. Esses verões à beira-mar ficaram para sempre na sua memória. Sua amada mãe, Julia Stephen, renomada por sua beleza, morreu quando Virginia tinha treze anos. Ela teve aí o primeiro dos colapsos nervosos que a atormentariam pelo resto da vida. Com o pai, Leslie Stephen, historiador e alpinista, Virginia mantinha uma relação am bígua. Ele era, nas suas próprias palavras, “espartano, ascético, puritano”. Mas também podia ser muito carinhoso para com os filhos. E foi pela leitura dos livros de sua biblioteca que Virginia, que nunca frequentou escola nem universidade, obteve t oda a sua educação. Ao Farol é a transposição artística da memória dos verões passados em St Ives e da relação com os pais. Mas um romance, se bem concebido, nunca é um relato autobiográfico. Tal como no sonho freudiano, a artista procede por condens ações, deslocamentos, deformações. O Sr. Ramsay não é Leslie Stephen. A Sra. Ramsay não é Julia Stephen. A pintora Lily Briscoe não é Virginia Woolf. E a Ilha de Skye, na Escócia, não é, obviamente, a baía de St Ives, na Inglaterra.E uma obra literár ia, poesia ou ficção, não é feita dos atos e eventos banais que constituem o material da vida cotidiana. Mas de revelações, de visões, de epifanias. A artista é uma vidente. Ela vê o que não vemos. E o ato artístico supremo consiste em transformar vi sões em palavras, em frases, em verbo. Em Ao Farol, as visões, os sons, as cores da infância de Virginia se transformam em imagens literárias, em sonoridades verbais, em coloridos estilísticos. Ela exerce aí, com virtuosidade invulgar, o privilégio s upremo da verdadeira artista. Com sorte, teremos, ao lê-lo, as nossas próprias visões, desfrutando, assim, ainda que modesta e brevemente, do precioso dom da vidência. Não se pode querer mais.“Ao Farol é a história de um casamento e de uma infância. É um lamento de dor pela perda de pais fortes e amados. Virginia Woolf queria chamá-lo ‘elegia’ em vez de romance. O livro também diz respeito à estrutura de classe inglesa e à radical ruptura com o vitorianismo após a Primeira Guerra Mundial. Ele é a expressão da urgente necessidade de uma forma artística que pudesse registrar e adaptar-se a essa ruptura. Ele é todas essas coisas ao mesmo tempo.”Hermione Lee“Virginia Woolf lia Proust enquanto escrevia Ao Farol. Ela intitulou a segunda parte: ‘